Um "reencontro" com Anne Frank


 Tudo começou quando eu tinha 13 anos. Naquela época, uma prima de segundo grau que estava passando uns dias na minha casa durante as férias escolares de dezembro. Brincávamos bastante e conversávamos sempre, inclusive durante a noite pouco antes de dormir. Não me recordo se quando falamos de livros em uma dessas conversas era dia ou noite. 
Apenas me lembro que ela me indicou um livro que entrou para minha vida definitivamente: O Diário de Anne Frank, que  havia lido na escola para fazer um trabalho. 
Não só me indicou como também me emprestou seu exemplar. 
Amo ler. E aceitei aquele empréstimo de bom grado. Indicar livros é algo delicado. Cada pessoa tem um gosto e nem sempre dá certo. Neste caso deu certo. E como.
Comecei a ler o livro achando que seria algo banal, como um diário de uma adolescente comum de 13 anos relatando as descobertas e anseios próprios da juventude como os que eu também tive. Gostei do livro logo de cara. 
Me identifiquei, óbvio, pois quando li o diário a primeira vez eu tinha a mesma idade de Anne Frank quando escreveu. Mesmo ela tendo uma religião diferente da minha e vivendo em um país distante, a Alemanha. 
Conforme eu ia lendo o livro via que era levada a não me identificar mais porque não era um simples relato adolescente mas relatos de uma página triste na história do mundo: o Holocausto.
Minha prima havia lido esse livro para um trabalho na escola e ficou impactada. Eu não tive a mesma sorte. Minhas tarefas escolares não incluíam leituras de livro para trabalhos escolares, as tarefas eram sempre as mesmas lições chatas só para preencher caderno, decorar fórmulas, regras e datas históricas para fazer uma prova e pronto. Não haviam tarefas interessantes, ao menos para mim. 
Falando do livro:
Anne Frank era de família judia. Os judeus sofreram muito durante a Segunda Guerra. 
Eram perseguidos por Hitler porque ele queria estabelecer uma supremacia ariana na Alemanha, exterminar a todos os que ele julgava "inferiores". 
Ane, sua irmã, seus pais e alguns amigos da família Frank esconderam - se nos fundos da empresa que pertencia a Otto Frank, pai de Anne, que ficava na Holanda.
Este lugar era chamado Anexo Secreto e não despertava suspeitas. Até o dia em que a família Frank foi finalmente capturada e levada para os campos de concentração onde sofreram de tudo.
Neste esconderijo que hoje é um museu, Anne passou a relatar o dia a dia das pessoas e do lugar em seu diário famoso mundialmente.
Todo o sofrimento de um povo que só queria levar sua vida e praticar sua fé com liberdade. 
Relatos detalhistas e pesados, carregados dos horrores da guerra, doença, falta de comida e clandestinidade. 
De alguma maneira aquele livro me tocou profundamente, me ensinou a conviver com a cultura e a fé de outras pessoas. Ensinou a tolerar. Foi muito importante para moldar meus princípios e amadurecer.
Eu não queria ter acabado, não queria devolver o livro para minha prima mas devolvi. 
De tempos em tempos reli o diário pelo menos três vezes, pegando numa biblioteca pública até comprar meu próprio exemplar, uma edição mais completa com outras partes do diário que foram acrescentadas e este, li duas vezes mais. 
Faz anos que não releio mas quem sabe um dia. 
Depois disso encontrei num sebo um outro livro, "Contos do Esconderijo". Mais fino, uma espécie de complemento ao Diário de Anne Frank. Este, só li uma vez e gostei também. 
Ano passado, encontrei um outro livro diferente que tratava do mesmo assunto.
Os Sete Últimos Meses de Anne Frank, do cineasta irlandês Willy Lindwer que seria um documentário e foi transformado em livro. 
Esta obra é fascinante pois contém depoimentos de pessoas, a maioria mulheres que relataram ao autor tudo que vivenciaram no período em que estiveram no campo de concentração convivendo com a família Frank. 
A cada linha somos transportados para o campo de concentração onde essas pessoas sofrem todo tipo de humilhação e privação, toda sorte de violência. 
Podemos sentir em cada relato toda angústia dos judeus companheiros da família Frank. 
Para mim era um reencontro com uma "velha amiga"e fatos tão conhecidos são contados do ponto de vista de pessoas que "acabei de conhecer" trazem de volta antigas sensações.
Quando lemos, parece até inacreditável constatar o quão perversa é a humanidade. Só porque um grupo tem religião diferente do outro, aquele que é minoria sempre sofre mais. Mas está lá registrado, com todas as letras a perversidade humana, para dizer o mínimo. 
É importante que ainda hoje em dia graças a essas publicações possamos tomar conhecimento de tudo e com isso não repetir a injustiça. Conhecer para evoluir é preciso em qualquer época. 
Eu tenho parentes e amigos dos quais não compartilho a mesma fé mas isso não faz de mim um ser superior ou inferior a eles. Só consigo pensar em unir forças para o bem comum. 
E se essas pessoas que brigam pela internet, whats app ou mesmo ao vivo  por política ou outra coisa tivessem acesso à história de Anne Frank e as e do Anexo Secreto, será que aprenderiam a ser mais toleráveis e se uniriam para enfim obter um país, talvez um mundo melhor? É algo a se pensar. 
Me senti bem durante a leitura. Renovada e otimista. Motivada a manter a esperança apesar das tribulações atuais. 
Para terminar, deixo a seguinte reflexão: Não devemos perder a fé, temos que tentar acertar sempre, sermos mais humanos e solidários, respeitar as diferenças, ter esperança de que um dia tudo dará certo. 
Esta é talvez a grande mensagem que a família Frank tenha deixado para a posteridade. É nosso dever praticar respeito e tolerância para que assim possamos construir um mundo melhor para as futuras gerações.




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