Vale Tudo por um remake?


 Antes de começar, quero esclarecer aqui que sou noveleira e este texto trata - se unicamente de uma visão pessoal a respeito do tema tratado aqui. Também quero alertar que, como curiosidade comparativa, não poderei evitar alguns spoillers do capítulo final de Vale Tudo 2025 que terminou ontem. 
Quem estiver acompanhando a novela, não assistiu ontem, não acessou o streaming da emissora ou não quis ler nada sobre o fim da trama, leiam esse texto amanhã pois ele não será apagado.
Vou tentar responder a pergunta - título deste texto da melhor forma possível, baseada na experiência de ter assistido a duas versões de uma mesma trama, o popular remake (palavra em inglês que se traduz como "refazer"). 
Em 1988 na primeira versão, o saudoso autor Gilberto Braga provocou a mente do povo brasileiro com a seguinte pergunta: "Vale Tudo para subir na vida?" E quando ele dizia "tudo" na pergunta era no sentido de fazer qualquer coisa sem pensar em consequências. 
Naquele ano, o modo de agir e pensar do brasileiro específicamente era um. Seus comportamentos, seus costumes e como se comunicava. 
Não havia internet, whats app, rede social nem Google e muito menosi inteligência artificial e smartphones, esse "aparelhinho" cheio de aplicativos que usamos para (quase) tudo  - ele não cozinha nossa comida nem nos dá banho - e não sai da nossa mão. 
Usamos inclusive para assistir vídeos, séries, jogos e as duas versões de Vale Tudo a um clique se você quiser, é claro. 
Em uma das cenas vemos por exemplo Tiago, o jovem herdeiro dos Roitimans, filho de Heleninha e Marco Aurélio jogando Atari com amigos em seu quarto. 
O Atari era o que tinha de console mais inovador para a época. Não havia Play Station nem X Box.
Era uma vida mais analógica onde as informações chegavam mais devagar. 
Vale Tudo 1988 tinha uma trama na qual indentificávamos logo de cara dois tipos de pessoas: a honesta representada pela Raquel, mulher trabalhadora que procurava lutar e conquistar as coisas por méritos próprios sem prejudicar ninguém.
Por outro lado, tinhamos a filha de Raquel, Maria de Fátima que, por suas atitudes pouco ortodoxas transformava a pergunta de Gilberto Braga numa afirmação categórica. Para esta personagem, os fins justificavam os meios. Ela não fazia a menor questão de disfarçar suas ambições e prejudicava quem quer que fosse.
Mas em volta delas vemos outros personagens que transitam nesses dois "mundos".
Um deles é Ivan Meireles que começa a trabalhar na TCA, companhia aérea dos Roitmans chefiada pela poderosíssima Odete Almeida Roitiman. 
Na versão 1988, Ivan vai trabalhar no departamento de telex e computadores (poucos ainda). Para subir de cargo, Ivan rouba dados do computador da TCA e com ajuda de uma secretária da diretoria  se infiltra numa reunião no lugar de um diretor ausente usando até crachá falso e lá ele entrega para a própria Odete um estudo confidencial feito por ele a partir das informações extraídas do computador. A chefe parece não se importar. 
Temos também Marco Aurélio um alto executivo da mesma empresa aérea ambiciona tomar o lugar da ex - sogra na presidência. 
Ele foi casado com Heleninha Roitiman, flha de Odete, uma artista plástica que enfrentava problemas de alcolismo,por isso faz parte do corpo diretor como vice - presidente e administrador. 
Marco faz desvios de verbas constantes e guarda tudo numa conta no exterior. 
Exemplos do lado "Raquel" dessa estória. Gildo, o garoto de rua que assalta Raquel quando esta chega ao Rio de Janeiro mas depois da ajuda da quituteira se regenera e passa a dedicar - se ao trabalho honesto ainda no começo da trama.
Bartolomeu, um jornalista que apesar de ter sido demitido por conta da idade, se "reiventa" tentando familiarizar com a tecnogia da época e arruma emprego de jornalista na revista Tomorrow e posteriormente na Paladar, firma de catering (serviço de comida caseira pronta para grandes eventos e firmas) como acessor de imprensa, mostrando sua experiência profissional acumulada em ambos os trabalhos. 
Audálio (Poliana), o dono do barzinho que luta para não fechar seu negócio e no fim vira sócio de Raquel na Paladar. 
Lucimar, uma diarista que trabalha duro em várias casas de família fazendo faxina e gosta de fazer uma fézinha em loterias e jogos contraventórios.
Na primeira versão termina rica porque finalmente ganhou sozinha o grande prêmio. Em sua última aparição na novela Lucimar vira uma versão "desajeitada" de Odete Roitiman reforçando o tom cômico que a personagem tinha. 
E, a grande pergunta que marcou a reta final: "Quem matou Odete Roitiman? Parou o Brasil, literalmente. Todo mundo queria saber a identidade do assassino. Concursos e bolões promovidos por grandes empresas e marcas. Na época, até eu entrei nisso. 
Tinha meu próprio palpite mas apenas 12 anos. Minha mãe permitiu que eu enviasse as cartas com as embalagens do creme dental que promovia o bolão da emissora. Enviei várias. Era só recortar a caixa. Por dentro apenas o nome do personagem suspeito e um contato telefônico. Meu suspeito era o Freitas, secretário do Marco Aurélio. Minha linha de pensamento foi ele cansado de sofrer humilhações do chefe, pegou a arma e atirou sem ver. Na pressa teria entrado em sala errada na TCA e atirou em Odete. Errei, óbvio. A assassina foi Leila, que "errou o alvo". O objetivo era  Maria de Fátima. 
Vale ressaltar ainda que Leila e Marco Aurélio fugiram do país levando dinheiro dos desfalques na empresa aérea e faz um gesto de "banana com os braços" ao som da música de abertura.
Em 2025, a emissora que está completando 60 anos de existência, escolheu uma de suas novelas de maior sucesso para fazer um remake, uma nova versão. A escolhida foi Vale Tudo.
A autora Manoela Dias foi escalada para reescrever e atualizar a trama. 
A base do enredo não mudou muito. Ela manteve o enredo original com a luta entre a ética e a corrupção através do relacionamento entre Raquel e Maria de Fátima. 
O que ela tinha que fazer era atualizar tecnologias e linguagem trazendo a novela para conversar com o noveleiro de 2025. 
Ela até fez isso, inclusive trazendo as cenas clássicas de Vale Tudo de volta com releituras mais modernas.  Um fã service "limpinho" nesse aspecto.
Também modificou  um pouco os personagens e seus destinos. 
Consuelo e Jarbas, respectivamente secretária e motorista particular dos Roitimans na primeira versão eram irmãos. Nesta versão nova são casados e tem dois filhos, Daniela e André que antes eram sobrinhos. 
Gildo, o garoto de rua, agora era uma garota, Gilda.
Leonardo, o filho de Odete morto em um acidente de carro envolvendo a própria mãe na primeira versão, ganha um rosto e um novo significado na versão atual, ajudar o irmão  na cura de um câncer de medula. Além de servir para abordar a questão do preconceito contra pessoas com deficiência e estado vegetativo. 
Enquanto o Ivan da primeira versão escreveu e "lançou" um livro com o título Vale Tudo com sessão de autógrafos, o Ivan da fase atual apenas aparece em frente ao pai Bartolomeu e eles conversam sobre um livro que ambos escrevem juntos mas o "lançamento" não acontece em nenhum formato, nem mesmo audiobook ou livro digital no Kindle. 
O casal homoafetivo Cecília e Laís fica junto e adota uma criança afrodescendente um pouco crescida (Sarita) ao contrário de 1988  quando vemos Laís morrer em um acidente de carro
Maria de Fátima aparece como influencer digital, com direito a rede social e seguidores, ou melhor, "fatymores"
Tem também o mordomo Eugênio, que trabalhava na mansão Roitiman. Na primeira versão, ele tem papel importantíssimo na trama, inclusive em momentos cruciais mesmo sem ser protagonista.
Além de ter uma vida particular, ainda que misteriosa. É um aficcionado pela época de ouro do cinema citando frases, personagens, atores/atrizes e títulos dos clássicos da sétima arte em vários momentos. 
Basicamente, o Eugênio da nova versão se resume a duas frases que se completam: "Com licença Dona Celina" e "Aceita uma água saborizada?". Se bem que essa parte da água, vou pesquisar pra experimentar. 
Eugênio na primeira versão vai embora da mansão por um período, talvez férias mas as entrelinhas sugerem que ele continuará trabalhando como prestador de serviços. 
E a comunicação toda feita com celulares, pagamentos por pix, séries no streaming, enfim... Tudo muito moderno. 
Excessivamente moderno., o que fez a autora cometer erros gravíssimos que mexeram diretamente nos índices de audiência e repercussão que ficavam muito abaixo do sucesso da versão anterior que foi astronômico, um fenômeno para uma época totalmente analógica. 
Tinha a Tomorrow, que de revista passou a ser uma agência de conteúdo digital.
Esses modernismos todos acabaram servindo para produzir memes ridículos e tudo virar uma grande comédia pastelão.
O final foi daqueles que gosto de ver. Dentro do possível para essa versão valeu a pena ter visto. 
O desfecho de Marco Aurélio que depois da clássica cena da banana no avião, ao contrário da primeira versão, não fugiu. Por conta de uma pane, o avião teve de pousar e a polícia o capturou. Na cena final Marco Aurélio está de tornozeleira eletrônica. Reparo justo em relação à versão anterior. 
E também é o responável pelo fim do grande mistério da trama. Em 2025, quem matou Odete Roitiman? 
Solução do mistério. Marco Aurélio atirou em Odete mas ela não morreu. Com ajuda de Freitas, o meu suspeito nesta versão também, a ricaça forjou a própria morte, sendo resgatada a tempo de não morrer e foi operada por uma equipe médica paga por ela num casebre deserto para extrair a bala. E voltou com uma frase irônica: "Odete Roitman sempre volta".
Eu fiquei com a cara estatelada no chão. 
Descobrir que o meu suspeito ajudou nisso foi um presente para mim. 
Aí depois que coloquei os pensamentos em ordem e "recolhi minha cara do chão" eu lembrei que alguém do grupo do James Bond 007 no Whats App fez um paralelo com o final do filme Um Novo Dia Para Morrer e um possível final da novela. Não sei se a pessoa assistiu a novela ou não mas acertou em cheio o final. Um final raso e mais ou menos. Assim como essa versão
Não pude deixar de pensar que Daniel Craig poderia ter feito a mesma coisa Que pena.
Faltaram os bordões dos personagens que na versão anterior, todo mundo sabia e falava no cotidiano. Faltou lançar moda. Nesta versão não vi nada disso. Até Raquel, a protagonista virou uma garota propaganda quase sem funções. Ela que estava presente na primeira versão, mesmo que só citada por outros personagens em todos os momentos importantes ou decisivos. 
Diante de tudo isso afirmo que não!
Não"vale tudo" para um remake!!!!
Valeu a tentativa Manoela Dias, admito que você foi corajosa mas não foi dessa vez.
Clássico é um cânone, merece respeito.
O ideal seria restaurar e reprisar a versão clássica mostrando talvez algum final alternativo que nunca foi mostrado e que deve estar até em arquivos.
Ficaria datada? 
Sim. Mas isso seria um charme e tanto 
Afirmo aqui com toda certeza e sinceridade. Novela Vale Tudo só tem uma: a versão de 1988 e ponto final. 





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