Sem Querer Querendo: Conhecendo Chespirito

Sempre fui fã do Chaves e do Chapolin desde 1984 quando começou a passar no SBT. 
Era muito curioso e divertido ver aquelas duas séries com um humor inocente e puro, idiotices e cenários feitos de isopor barato que eram mostrados na frente das câmeras de uma maneira deliciosamente escancarada sem a preocupação de qualquer artifício para disfarçar. 
Fazia parte da piada. E o resultado disso era um riso incontido, alto e incontrolável, a ponto de "lavar os olhos de dentro pra frora" como diria o próprio Chaves algumas vezes.
E Chaves ainda tinha uma particularidade só dele que nenhum seriado ou desenho jamais teve, e duvido que um dia terá: adultos fazendo papéis infantis sem se preocupar com estatura ou ações naturais do tempo que revelam a idade real das pessoas.
Como exemplos do que estou falando, cito dois episódios: Em um deles Chaves diz ao Quico que ele não pode beber cerveja porque "é uma criança e só tem oito anos" mas quando a câmera dá um close no rosto do ator Carlos Villagràn , ele está tentando segurar o riso e logo notamos as rugas no canto dos olhos. 
Em outro episódio Chaves e Seu Madruga vestem suas roupas invertidas por culpa da Chiquinha que tinha entregue as peças trocadas Isso provoca um resultado cômico e ridículo porque as roupas do Chaves cabem perfeitamente no Seu Madruga e vice versa.
Chaves e Chapolin foram exibidos no Brasil durante 35 anos sem interrupção nos mais diversos horários possíveis e inimagináveis colecionando fãs ardorosos e hateres convictos como tudo o que faz sucesso na TV do Brasil. 
Faço parte, obviamente, do primeiro grupo porém respeito o outro pois ninguém é unanimidade sendo pessoa pública ou obra veiculada por meios de comunicação de qualquer natureza. Sou extremamente democrática neste ponto. 
O fato é que, todos esses anos eu só conheci o que passava na TV. 
Entrevistas com o elenco das séries de Roberto Gómez Bolaños e com ele próprio são muito raras inclusive no México. Quando elas acontecem, ainda mais no Brasil, o foco da mesma sempre se volta para as séries.  
Existem pouquíssimas informações sobre a vida dos atores ou até mesmo sobre outros trabalhos na carreira fora do nicho CH. 
Mas isso mudou... 
Em 2010 fui para um evento de fãs do Chaves,  o Segundo Festival da Boa Vizinhança, onde, além de assistir ao episódio dividido em quatro partes, O Festival da Boa Vizinhança (ou A Grande Festa como é anunciado na exibição da TV) lado a lado com outros fãs e ver de perto os atores Carlos Villagràn (Quico) e Edgar Vivàr (Senhor Barriga) que visitavam o Brasil pela primeira vez naquela época. Havia também comidas típicas do seriado e exposição de coleções de fãs. 
Foi em uma dessas exposições que encontrei o livro Sin Querer Queriendo em espanhol, a autobiografia do Roberto Bolaños. Detalhe: um exemplar com dedicatória pessoal e autógrafo. 
Fiquei impressionada e emocionada ao ver  o autógrafo do Bolaños no livro.
Conversando com o dono daquele acervo sobre a biografia enquanto ele folheava para que eu visse algumas fotos, perguntei onde poderia comprar um exemplar em português. Naquela época não tinha. 
O livro tinha sido lançado no México em 2006 e não me recordo se em outros países de língua espanhola também. Acho que não. 
Aqui no Brasil foi lançado somente em 2021. 
Eu fui uma das primeiras duas mil pessoas a comprar na pré venda com direito a mini pôster, marcador, certificado numerado e meu nome registrado no livro na parte dos agradecimentos. 
Entre a compra do livro, a espera (tensa e angustiante), a chegada e o início da leitura (porque havia  outro livro que tinha de terminar antes) passou - se um longo tempo mas quando comecei a ler a biografia que foi traduzida como Sem Querer Querendo - Memórias, foi uma leitura deliciosa e rápida. Não demorou muito, um mês e poucos dias acho. 
Passei a conhecer nesse período, alguém que ao mesmo tempo era tão familiar e era um mistério para mim. 
Foi como se conhecesse dois Chespiritos: um que era um grande ator, um roteirista inteligente, capaz de escrever e até ajustar roteiros brilhantes, o comediante engraçado que fazia uma plateia rir até cair a dentadura (tem essa história no livro, não duvidem) e dar recordes de audiência para as emissoras que transmitem o programa e muito trabalho para as emissoras concorrentes que faziam de tudo inutilmente para vencer a guerra de audiência no horário em que alguma série CH estava no ar. 
O SBT no Brasil quando precisava de audiência em algum horário, recorria à Chaves. E dava resultado sempre. 
O "outro Chespirito" que passei a conhecer depois de ler este livro e  me surpreendeu muito foi o escritor genial em primeiro lugar, que justifica o apelido artístico ao ser comparado com ninguém menos do que o dramaturgo inglês William Shakespeare, autor de grandes obras do teatro e literatura mundiais. 
Bolaños era baixinho e o apelido provinha da expressão comparativa "Pequeno Shakespeare". 
O homem que teve a a ousadia de procurar emprego sem saber realizar o trabalho para o qual se candidatou, que não tinha medo de arriscar. O marido romântico e pai de família as vezes sério, as vezes brincalhão, o cara generoso que ajudou a melhorar a vida e a saúde de muitas crianças através de uma fundação que leva seu nome. O empresário que ninguém fazia de bobo, bem diferente dos seus personagens. O "cidadão Gomez" que amava o México, futebol e mulheres. 
E que deixou um legado e muitos ensinamentos. E um recado a nós brasileiros em sua última entrevista dada justamente para um fã em sua casa: "Sejam felizes". 
A você Chespirito, só tenho uma coisa a dizer: "Gracias!"

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